Revista Nautica On Line - O segundo melhor lugar para navegar

Nautica  Pesca  Mergulho  Notícias  Fórum  Cadastre-se  Calendário  Mercado  Navegação Fale Conosco  Índice  Guia
História Do Mar  
__________________

O Ouro secreto do Republic

Os boatos corriam quando o Republic deixou Nova York: ele carregava um bilhão em ouro secreto. Horas depois o navio levava para o fundo do mar o mistério de seu tesouro

Por Ana Renata Angotti - Ilustração Daniel Muñoz - Edição nº 141

 

Os fortes rumores que passaram a correr céleres pelo porto de Nova York (EUA) garantiam haver muito mais riqueza no compartimento de carga do que podiam imaginar os passageiros do luxuoso transatlântico R.M.S. Republic, quando o navio, pertencente à companhia inglesa White Star Line, levantou âncora na tarde de 22 de janeiro de 1909. Segundo os boatos, longe dos olhos daquelas pessoas que subiram a bordo apenas em busca de diversão e descanso - levando imensos volumes de bagagem, jóias raríssimas e luxuosas roupas para as férias no Mediterrâneo -, um grande tesouro em reluzentes moedas de ouro, avaliado hoje em mais de um bilhão de dólares, havia sido embarcado secretamente.
O R.M.S. Republic não teve tempo de dar mais de uma noite de conforto e tranqüilidade a seus passageiros. Suas luxuosas salas de jantar ofereceram uma única refeição e seus salões de jogos testemunharam bem pouco da alegria prometida para aquela viagem. Muitas festas ficaram por acontecer, várias conversas acabaram adiadas e caixas de charutos cubanos deixaram
de ser fumadas, pois as ocasiões especiais em que caberiam os legítimos "Havanas" deram lugar a uma terrível surpresa logo no segundo dia de viagem.

A apenas 200 quilômetros de Nova York e próximo à Ilha de Nantucket, costa do Estado de Massachussets, no nordeste dos Estados Unidos, o Republic encontrou uma densa neblina. A maioria dos passageiros, entre eles o senhor Mooney, o homem mais rico do Estado de Dakota, e Eugene Lynch, grande empresário de Boston, descansavam em suas cabines, na companhia das esposas. Seus sonhos eram povoados pelas idílicas ilhas do Mediterrâneo, com gaivotas brancas e muito calor - ao contrário do branco inverno norte-americano... Pouco antes das seis horas da manhã, no entanto, ouviu-se em todo o navio um grande estrondo. As luzes se apagaram. E todo e qualquer resquício de visão ainda possível em toda aquela névoa, desapareceu de súbito. O luxuoso transatlântico acordou com medo.
Um navio de bandeira italiana, batizado de Florida, também se encontrava perdido na neblina, pois era simplesmente impossível seguir o curso original naquele inferno branco. Era apenas questão de tempo para que um desastre acontecesse. E, então, aconteceu. A proa do Florida atingiu o Republic a bombordo, destruindo imediatamente seis cabines. Entre elas, as do senhor Mooney e da senhora Lynch, que morreram na hora. Quatro tripulantes do navio italiano também não resistiram à colisão, apesar de terem sido bem menores os seus estragos.
O Florida atingiu também a sala de máquinas do transatlântico inglês, arrastando no choque uma das grossas portas de ferro maciço cuja função era impedir que a água entrasse no compartimento e alagasse os motores caso o casco fosse rompido. Com a porta arrancada, a água gelada do mar invadiu rapidamente a casa de máquinas. Para evitar uma possível explosão, as caldeiras foram desligadas, deixando o barco apenas com a energia elétrica armazenada em suas baterias. Seu uso ficaria limitado ao telégrafo sem fio - novidade tecnológica que viria a ser a salvação das 1.650 pessoas a bordo das duas embarcações.
O navio, considerado inafundável em qualquer tipo de colisão, via-se agora em riscos reais de naufrágio. Logo nas primeiras horas daquele sábado, todos os passageiros foram orientados pela tripulação a abandonar suas cabines e a se reunir no convés principal. Apesar da situação ser extremamente preocupante, o capitão Sealby falou a seus passageiros com muita calma. Explicou que o R.M.S. Republic não iria afundar, mas que - por uma simples questão de segurança - seria iniciada imediatamente a transferência para o Florida, em melhores condições. Ele não estava mentindo: de fato, acreditava do fundo do coração que era impossível seu navio ir a pique.
Os tripulantes se revezavam para ajudar os passageiros, em sua maioria mulheres, a embarcar nos botes salva-vidas. Apesar do mar calmo e da claridade do dia, a teimosa neblina permanecia incansável, dificultando a operação de emergência. Até os mais corajosos hesitavam nas escorregadias plataformas por onde se realizava a operação de salvamento. Era como descer em direção ao nada. Apesar do frio intenso, cada passageiro carregava apenas a roupa do corpo. Não tiveram permissão para voltar às cabines e buscar alguns pertences, nem havia espaço nos botes e no Florida para bagagens extras.
O embarque no navio italiano era ainda mais penoso do que o desembarque do Republic. Escadas de corda aguardavam os novos passageiros, que, apesar de exaustos, se agarravam a elas conscientes de que eram o único elo a separar a vida da morte. Por fim, todos chegaram ao Florida vivos.

Enquanto isso, o telégrafo permaneceu sem descanso durante aquela manhã inteira. Logo após a colisão, Jack Binns, seu operador, mandou mensagens de socorro para todos os navios em um raio de 500 km. Obteve respostas otimistas. O Baltic, também navio da White Star Line, respondeu que já estava se dirigindo para a região de Nantucket. Mas as horas passavam e nada. Então, finalmente, 12 horas após o acidente. por volta das seis horas da tarde, um estranho som de apito ecoou como a mais doce música nos ouvidos dos passageiros reunidos no Florida naquele entardecer. Tanto italianos desabrigados - que fugiam das terras devastadas pelos terremotos que haviam sacudido o sul da Itália em dezembro - quanto os ricos cidadãos americanos em busca de lazer nas cálidas terras mediterrâneas, se aglomeraram no convés superior para a confirmação de suas expectativas. A esperança de que fosse o tão aguardado Baltic tornou-se, enfim, realidade, enchendo de alívio aqueles corpos cansados. No entanto, o navio apenas passou próximo ao Florida, dando sinal de que voltaria, e apressou-se para alcançar o Republic.
As horas que se seguiram foram de revolta e impaciência a bordo. Cerca de 1.600 pessoas aguardavam transferência para o Baltic, que permanecia misteriosamente ao lado do Republic. O Capitão Sealby ordenou que a correspondência transportada pelo transatlântico inglês fosse levada para o Baltic, garantindo assim uma entrega pontual. Durante quatro horas e meia foram transferidos 3.200 sacos de cartas. Junto com a correspondência, uma segunda leva de tripulantes deixou o Republic. Apesar de Sealby ter liberado quem quisesse ir embora, alguns corajosos marinheiros continuaram ao lado de seu capitão.
Finalmente, o Baltic seguiu em direção ao Florida. Os passageiros foram então deslocados de um barco para outro, com os botes superlotados gastando 83 viagens. A operação de transferência durou a madrugada e a manhã do domingo, em meio a uma chuva insistente e ao mar bastante agitado. Os botes navegavam no limite de peso, o que dificultava o alcance às escadas improvisadas para o embarque. Algumas pessoas chegaram a cair no mar. Ao serem resgatadas, às vezes eram puxadas pelas roupas, outras pelos cabelos.

OBaltic se aproximou uma segunda vez do Republic e permaneceu ao seu lado por algum tempo, até a chegada dos outros navios que atenderam ao pedido de socorro e tentariam rebocá-lo. O apito que o Baltic emitiu ao se despedir dava aos passageiros salvos um alívio até maior do que aquele de sua chegada. Afinal, agora partiam para Nova York com a esperança de que ainda resgatariam suas preciosas bagagens num futuro próximo.
Contudo, o R.M.S. Republic agonizava. As tentativas de reboque foram em vão. No início daquela noite, o capitão percebeu que o barco não sobreviveria. A popa já estava tão baixa que as ondas quebravam no convés superior. O navio dava seus últimos suspiros. Às 8h30 da noite, foi a pique. O capitão e a tropa voluntária permaneceram até o último minuto, como bons homens do mar, e foram retirados da água por botes do Gresham, um dos rebocadores.
Nunca houve operação de salvamento como a que ocorreu durante as 39 horas que separaram o momento da colisão do instante em que o Republic afundou. Foram feitas um total de 2.494 tranferências entre navios, sem qualquer acidente fatal, sucesso que permanece até hoje um exemplo imbatível de resgate em mar aberto. O telégrafo foi usado pela primeira vez para pedidos de socorro e se tornou indispensável a partir daí. Seu operador foi convidado a trabalhar no Titanic, também da frota da White Star Line, mas recusou o convite. Talvez alguém lá em cima não queria vê-lo passar por um sufoco ainda pior, pois o Titanic, o navio que "nem Deus poderia afundar", encontraria seu trágico fim três anos após o naufrágio do Republic, mas sem o mesmo sucesso no saldo de vidas.
Hoje, o Republic encontra-se no fundo do Oceano Atlântico, a cerca de 80 metros de profundidade e 80 km ao sul da Ilha de Nantucket. Porém, não repousa tranqüilo, pois levou consigo um mistério. Além das jóias e das porcelanas inglesas, sepultadas sob uma densa camada de areia e entulho, armazenadas em caixas bem escondidas, provavelmente nos bagageiros do navio, podem estar toneladas de moedas de ouro, se os boatos que correram na época estavam certos. Pelos cálculos atuais, o montante atingiria a marca de mais de um bilhão de dólares!

Essa fortuna não estava na lista de nenhum dos passageiros, muito menos nas encomendas que seguiam dos Estados Unidos para a Europa. Poderia ter sido transferida durante a operação de salvamento, hipótese pouco provável devido à dificuldade da tarefa. Os rumores sobre o ouro fantasma começaram a circular por entre os ouvidos de exploradores e aventureiros nem bem o corpo do navio esfriou.
Alguns afirmam que o dinheiro teria sido recolhido pela Cruz Vermelha americana para ajudar na reconstrução das terras italianas, devastadas pelo terremoto de dezembro de 1908. Outros acreditam que seria usado para o pagamento da tripulação de outras embarcações da companhia White Star Line e também para o reabastecimento desses navios. Ambas as hipóteses esbarram em um problema: um bilhão de dólares é muito, mas muito ouro. Daria, na época, para pagar todos os marinheiros dos Estados Unidos juntos ou para construir várias cidades iguais a Nápoles.
As especulações atravessaram o século. Existiria realmente esse ouro? E se o mito for verdade, de quem era? Continuaria ele no Republic? Para onde iria? E serviria para quê? Por isso surgiu uma terceira teoria, baseada em estudos da economia da época, afirmando uma coisa maluca e ao mesmo tempo fantástica, que colocaria o Republic em ponto de grande importância para a História contemporânea. Diz a teoria que as moedas seriam parte de um empréstimo do governo francês à Rússia czarista. O tesouro teria sido mantido em segredo devido a comprometimentos políticos que colocariam em risco as alianças firmadas antes da Primeira Guerra Mundial.
Seja como for, acredita-se que o Republic levou consigo para o fundo daquelas águas escuras e gélidas uma quantidade de ouro inimaginável até para as mais ricas famílias que passaram por seus salões. As tentativas de resgate ainda não conseguiram tirar de seu sepulcro submarino mais do que pratos de porcelana, vinhos e talheres. Seus mais profundos segredos permanecem inalcançáveis ao homem, protegidos por toneladas de entulho e rodeado de tubarões, em uma região que possui uma das piores condições de tempo de todo o Atlântico Norte.

  

Topo da Página
 
Nautica  Pesca  Mergulho  Notícias  Fórum  Cadastre-se  Calendário  Mercado  Navegação  Fale Conosco   Índice  Guia
Copyright 2000 G.R.1 Editora Ltda
É vedada a reprodução total ou parcial sem o consentimento da Editora.
mailto: webmaster@revistanauticaonline.com.br